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Os sonhos premiados de Lázaro Ramos em Gramado

21 de ago . 2019 Bianca Carneiro

Roteiros engenhosos de cinema normalmente conquistam grandes plateias pela emoção que conseguem provocar. Então imaginemos um menino baiano de 13 anos que compra um bilhete e, com ele, consegue assistir a vários filmes numa mesma sessão do Cine Arte, em Salvador. E que sonha com lugares ligados a este universo, como o Festival de Gramado. A trama ganha um corte e, eis o tal menino hoje aos 40 anos recebendo o Troféu Oscarito no 47º Festival de Cinema de Gramado. A cena de segunda-feira à noite revirou as memórias do tal menino, hoje um nome já icônico do cinema brasileiro.

“Gramado habita um lugar especial no meu imaginário. O Festival é um lugar dos meus sonhos”, dizia à tarde, na entrevista coletiva concedida no hotel Colline de France, antes de subir pela primeira vez ao palco do Palácio dos Festivais. Ele deveria ter estado naquele lugar em 2005 para receber o Kikito de Melhor Ator por “Cafundó”, mas não pode. Por isso, a premiação já especial, ganhou ainda mais significado.

À noite, demorou cerca de 30 minutos para cruzar o tapete vermelho ao lado do pai, Ivan. Acenou, abraçou e fez selfies com o público concentrado junto à Rua Coberta. Sorria, gargalhava, festejava a popularidade que hoje lhe abraça Brasil afora. Sentado na plateia, gargalhou ao se ver na tela segurando o Tchan ao lado de Carla Perez em “Cinderela Baiana”, seu primeiro filme. O olhar oscilava entre seriedade e risos. Em seguida, Troféu Oscarito nas mãos, aplaudido de pé não conteve a emoção. Reviu sua trajetória.

“Olha o Lazinho onde está. Fiquei pensando no que dizer olhando para aquele menino e que chega a Gramado que só existia nos meus sonhos de ser relevante para alguém. Então vou me dar ao direito de agradecer a quem alimentou isso, a quem me ajudou a ser”, disse, citando Karim Aïnouz, com quem fez o “Madame Satã”, Jorge Furtado, Dedé Santana – que estava na plateia – e os Trapalhões, os cineastas de Pernambuco e do Rio Grande do Sul, e Murilo Benício, que o dirigiu em “O Beijo no asfalto.”.

O repertório de Lázaro é mesmo a sétima arte e sua diversidade. Na coletiva, ao ser perguntado sobre o que o cinema brasileiro deveria falar, propondo reflexões, foi enfático, enumerando:

“‘Central do Brasil’, ‘Tropa de Elite’, ‘O ano que meus pais saíram de férias’… É isso que o cinema brasileiro tem feito. Estes são alguns filmes que têm o registro do país, do seu tempo”, disse, explicando também as suas escolhas por projetos e personagens: “Quero tentar não ser decifrado com facilidade, por isso mudo de gêneros, busco coisas diferentes. E busco falar sobre o agora, quero propôs reflexões, discutir questões”.

Dentre as tantas escolhas que fez para chegar até o Prêmio Oscarito, “Madame Satã” – preto, gay, pobre, marginalizado -, de 2002, de Karim Aïnouz, é um referencial:

“Me transformou como ator, me ensinou sobre o mundo. Até hoje, uma vez por mês falo sobre ele. O cinema transforma as pessoas e me transforma também”, afirmou.

 Os encontros e os filmes dessa trajetória têm um nome também fundamental para a trajetória de Lázaro Ramos, o do diretor gaúcho Jorge Furtado com quem Lázaro diz conversar o tempo todo sobre filmes, peças, livros, a vida, o cinema, etc.

“Ele abriu meus olhos para outras possibilidades profissionais”, sintetiza.

Mas a questão sobre a representatividade negra nas telas é inevitável, como, por exemplo, a escolha de um negro como protagonista de “O homem que copiava”.

“Jorge fez uma seleção com atores de todas as etnias, me escolheu, e não mudou uma linha sequer do roteiro”. Foi um filme transformador para mim, pontua.

Mas o tema sobre preconceito racial – seja no Rio Grande do Sul ou no resto do Brasil volta.

“Esse é o nosso país. Faz parte do nosso amadurecimento reconhecer nossas feridas. O preconceito está aí, o racismo está aí. Penso que devemos estimular as pessoas pela sensibilidade, por estímulos afetivos. Minha fala pública é uma estratégia para agregar pela afetividade. Às vezes é preciso silêncio para algumas questões, saber quando se tem que ser incisivo”, disse.

E essa estratégia, de novo, se constrói com um vocabulário de cinema. Quando perguntado sobre com quais diretores gostaria de trabalhar citou Almodóvar, Fernando Meirelles, Tarantino, os Irmão Cohen, e, significativamente, os cineastas – negros – norte-americanos Ava DuVernay e Spike Lee.

É assim que o menino Lazinho vai dando forma aos seus sonhos de cinema, construindo seus afetos artísticos e familiares. A mulher Taís Araújo, com quem tem os filhos João Vicente e Maria Antônia, é uma afirmação desse amálgama em projetos como a série televisiva “Mister Brown”, a peça “O topo da montanha” e o longa “Medida Provisória”, que ele acaba de dirigir e que tem ela no elenco.

“Ser casado com alguém da mesma profissão é um desafio. No caso da gente, dá certo, somos muito felizes e dá pra se divertir também, fortalecendo nosso crescimento pelas escolhas os projetos que têm relevância e qualidade. É lindo, mas às vezes você se pega falando sobre o pagamento da escola das crianças antes de entrar em cena”, gargalha.

É com essa coleção de sorrisos, memórias – que ele diz ser prodigiosa – e de escolhas que Lázaro Ramos esteve, de forma inaugural, no palco do Festival de Cinema de Gramado vestindo terno preto e camisa multicolorida com motivos afros. Então, disse que amava “muito, muito, muito” o pai Ivan, que assistia a tudo na plateia, e falou aquilo que, significativamente, achava que devia falar:

“Quero dedicar este prêmio à dona Ruth de Souza, que vai fazer muita falta. Ela trouxe inspiração para este menino preto que não sabia que podia sonhar e agora sonha e espera poder fazer outras pessoas sonharem. Vamos olhar para nossa diversidade, aplaudir e celebrar ela sempre. Por que é isso é o Brasil”.