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Conscientizar-se é preciso

20 de nov . 2020 Pauta

E então chega novembro e os espaços, as pautas, os olhos se abrem e se voltam para a presença negra na TV, na cultura, nos espaços nobres. E nós negros somos convidados para entrevistas, palestras, é negro eleito, é negro homenageado. A Casa-Grande abre espaço para a senzala se esbaldar. Mas não abusem, é só em novembro, certo?

Não, caríssimos. Nós, negros e negras, buscamos espaços igualitários para o ano inteiro. Não apenas em novembro. Não apenas quando uma tragédia invade a sua tela. É preciso ter consciência sobre a situação da população negra no Brasil todos os meses, todos os dias. É necessário crítica e autocrítica sobre a consciência e a inconsciência de nossas ações sobre a questão negra no Brasil.

Em junho, fiquei aturdida, com a aproximação de influencers e de profissionais de outras áreas, oferecendo espontaneamente “uma força”, justificando que era o mínimo que podiam fazer como reconhecimento da importância da minha vida como negra. Em junho. Por quê?

Porque no final de maio, as imagens e a fala da agonia de um cidadão negro norte-americano ecoaram pelas redes de notícias, jornais, TVs e redes sociais. I can’t breathe, dizia ele, com o pescoço apertado pelo joelho de um truculento policial branco. George Floyd não resistiu. E a hashtag “eu não consigo respirar” ficou cutucando as mentes de todas as latitudes. Parecia que só a partir daquele espetáculo macabro, as vidas negras passaram a ter importância.

Não sou uma pessoa ingrata. Fiquei mesmo muito agradecida - e surpresa – com o oferecimento de ajuda e apoio. E então, lá se foi junho, e aquelas mesmas pessoas nunca mais me procuraram. Como se o produto que eu vendo e o trabalho que ofereço não precisassem mais delas. Como seu eu não precisasse mais respirar, pagar boletos, fazer a roda girar.

Não esperemos que outras mortes virem espetáculo de dor e uma nova hashtag corra o mundo como se fosse exceção. Como se a violência, o racismo e a falta de respeito não nos ceifassem vidas diariamente nas periferias de Porto Alegre, Rio, São Paulo… Ou de todo o Brasil. Diariamente. A mortalidade de jovens negros no Brasil é superior a de países em guerra civil no mundo. São 63 mil jovens brasileiros mortos por ano, sendo mais de 70% são negros.

É preciso ter mais do que um dia para nos conscientizar e entender que racismo não se reduz, racismo se elimina. E para tal é preciso ficar atento ao que se aprende e ao que se ensina de forma inconsciente na família, na escola, no trabalho, na vida.

Rejane Martins

Jornalista e criadora do Mesa de Cinema.